Apenas um pequeno roteiro das primeiras informações numa bela manhã de sábado, colhidas numa rápida visita ao Whatsapp,
no surreal Brasil governado por genocidas em plena pandemia de covid-19.
Neste pequeno roteiro cinematográfico descrevo ipsis litteris uma ‘fala’ do Mourão e associo com algumas notícias que leio quase que simultaneamente no Whatsapp. Junto tudo e revejo homenagem ao Alípio Freire, feita pelo Sato Brasil, a única coisa que realmente salva nesta história toda. Depois assisto de novo um vídeo do Malafaia, pedindo dízimo aos seus fiéis. Lembro do Ricardo Boechat mandando o bispo ‘chupar uma rola’. Pra encerrar, antes do café, imagens de duas mulheres peladas muito bonitas, que não posso mostrar, porque é sacanagem.
CENA 1: Acordo e vou direto pro celular, que passou a noite carregando na tomada da sala. Se fosse antigamente, pegaria o jornal debaixo da porta. Deito esparramado no confortável sofá, abro a primeira das dezenas, talvez centenas de mensagens que vou ver durante o dia no Whatsapp. O arquivo chama ‘Xeque-mate no STF’ e mostra o general e vice-presidente da República Hamilton Mourão, fardado, sentado diante da bandeira nacional, com dois homens sentados, um de cada lado, numa pequena bancada. O general diz o seguinte, ipsis litteris, o que ele falou e foi gravado, foi transcrito e está escrito aí:
VOZ DO MOURÃO - ‘’É óbvio que quando nós olhamos com temor e com tristeza os fatos que estão nos cercando, a gente diz, pô, por que não vamos derrubar esse troço todo? Na minha visão, né, e aí é a minha visão que coincide com a dos meus companheiros do Alto Comando do Exército, nós estamos numa situação daquilo que poderíamos lembrar lá da ‘tábua de logaritmo’, né, aproximações sucessivas, né? Até chegar o momento em que, ou as instituições solucionam o problema político, né, pela ação do judiciário, né, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós teremos que impor isto, né? Agora qual é o momento pra isto? Não existe fórmula de bolo, né? Tem... nós temos uma terminologia militar que se chama ‘O Cabral’, né? Uma vez que o Cabral descobriu o Brasil, quem segue o Cabral descobre alguma coisa. Então, não tem Cabral, não existe Cabral de revolução, não existe Cabral de intervenção... nós temos planejamentos... muito bem feitos, né? Então, no presente momento, o que que nós vislumbramos, né? Os poderes terão que buscar solução, se não conseguirem, né, chegará a hora que nós teremos que impor uma solução. E esta imposição ela não será fácil, ela trará problemas, podem ter a certeza disso aí. E a minha geração, isto é uma coisa que as senhoras e senhores têm de ter consciência, ela é marcada pelos sucessivos ataques que a nossa instituição recebeu, de forma... covarde, muito obrigado, Ricardo, né? De forma não coerente com os fatos que ocorreram no período de 64 a 85, né? Isto marcou a geração, a geração é marcada por isto e existem companheiros que até hoje eles dizem assim, poxa, nós buscamos fazer o melhor e levamos pedradas de todas as formas. Mas, por outro lado, né, quando a gente olha o juramento que nós fizemos, o nosso compromisso é com a nação, com a pátria, independente, né, de sermos aplaudidos ou não. O que interessa é termos a consciência tranquila de que fizemos o melhor e que buscamos, né, de qualquer maneira atingir este objetivo. Então, se tiver que haver, haverá. Mas hoje nós consideramos que as aproximações sucessivas terão que ser feitas. Esta é a realidade.’’
APLAUSOS RALOS AO FUNDO.
O vídeo é recheado de imagens com transcrições de ‘partes fortes’ do discurso do general, dos oficiais do Alto Comando numa grande mesa, emblemas do ‘Toneladas de Democracia’ e ‘Pé na Porta’.
CENA 2: Ainda esparramado no sofá, abro um segundo arquivo, agora de
texto. Este foi enviado num grupo de amigos com afinidades políticas e
reproduz nota publicada na coluna do Ancelmo Gois, do Globo golpista.
‘’Veja a história que circula no chamado Forte Apache, como é conhecido o Quartel General do Exército, em Brasília: num encontro recente, o ex-comandante do Exército Edson Leal Pujol comentou com Eduardo Pazuello, o ex-ministro da Saúde de Bolsonaro:
“Pazuello, quando o Bolsonaro lhe proibiu de comprar vacinas, você deveria ter pedido demissão. Obedecendo, você se ferrou e nos ferrou junto”.’’
CENA 3: Levanto do sofá, vou até a varanda e vejo a linda manhã de sábado. Mas, meio que automaticamente, volto, pego o celular e de novo esparramo no sofá. Agora abro um arquivo que mostra a página do blog do Ricardo Noblat na Revista Veja, estou muito mal acompanhado hoje. A matéria está linkada também no grupo antibozo. Vi o seguinte:
TÍTULO: ‘’Mourão prova na pele que vice-presidente para pouco serve’’
SUBTÍTULO ‘’Comandante do Conselho da Amazônia é posto à margem da Cúpula do Clima’’
MATÉRIA (Consegui acessar o início, apesar de não assinar a Veja.): ‘’Tão logo o presidente Jair Bolsonaro indicou seu vice, o general Hamilton Mourão, para comandar o Conselho da Amazônia, assessores de Mourão, em júbilo, se apressaram em confidenciar a jornalistas que o ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, conheceria doravante “o que é bom para tosse”.
Queriam dizer que Salles perderia o protagonismo em uma área em que reinava soberano com a ajuda dos filhos de Bolsonaro e o aval do presidente da República. Mourão animou-se. Fora-lhe dada, afinal, uma boa ocupação depois de amargar tantos meses sem ter o que fazer – salvo sonhar com a renúncia de Bolsonaro.
Vice-presidente é nada. No Brasil, é só expectativa de poder. Mesmo assim, o destino deles, do fim da ditadura militar de 64 para cá, não tem sido tão infeliz. José Sarney sucedeu a Tancredo Neves, que morreu sem tomar posse. Itamar Franco a Fernando Collor, derrubado. Pela mesma razão, Temer a Dilma Rousseff.
A oposição ao governo Bolsonaro prefere que ele sangre até o seu último dia de mandato a ver Mourão no seu lugar. É o trauma da farda que por 21 anos governou o país. E se Mourão desse certo? E se, por dar certo, ele tentasse se reeleger? E se os militares o apoiassem para continuar mandando no país? Fica, Bolsonaro!
O possível brilho de Mourão no comando do Conselho da Amazônia durou pouco tempo. A ele, Bolsonaro prefere a companhia de Salles. Mourão não foi ouvido nem cheirado sobre a posição que o Brasil deveria adotar na Cúpula do Clima que começa hoje. Limitou-se a dizer para desagrado de Bolsonaro:
– O Brasil não deve se comportar como mendigo.
É como deverá comportar-se. ‘’
CENA 4: Dou um ligeiro suspiro e vou até a cozinha beber um copão de água. Sempre faço isto em jejum. Enquanto bebo a água, penso que preciso escrever alguma coisa sobre estas primeiras informações do dia. Tenho a ideia de montar esta estrutura de roteiro e incluir com um texto que recebi anteontem, enviado pela Carla, mãe do meu filho, sobre a morte do primo dela, Alípio Freire, que tive o privilégio de conhecer.
CENA 5: Pego o celular em cima da mesa da sala, volto pro sofá e acesso o arquivo que a Carla mandou. A homenagem a seguir foi escrita por Sato do Brasil e publicada no Jornalistas Livres, anteontem, Dia do Descobrimento do Brasil.
‘’Seu Alípio Freire. RIP. Mais um dos gigantes que se vai pela COVID. Aqui, no Cordão da Mentira. @cordaodamentira . Lutou contra a ditadura, lutou pelo MST, lutou contra a censura, lutou pela liberdade. Conheci Seu Alípio no Cordão. E pelos Jornalistas Livres, sempre o encontrava onde existisse luta. Manifestações, atos, encontros, debates. Sempre com gentileza, fala tranquila, sua barba imensa, sorriso. Nas entrevistas que eu sempre pedia, ele sempre me respondeu com brilho nos olhos e firmeza nas palavras. Vi imagens de Seu Alípio jovem, vociferando contra as agruras das desigualdades, dando nomes aos bois, botando dedo nas feridas, provocando pensamentos e ideias de transformação da nossa sociedade. Até hoje. Me lembraram de uma história que mostra quem é Alípio Freire. No filme (tenho quase certeza) Hoje, de Tata Amaral @amaral , a personagem de @denisefraga tem medo de sair na rua e encontrar seu torturador dos tempos da ditadura. Uma amiga ou amigo tenta acalmá-la e fala algo assim: “- Uma vez o Alipio Freire estava no metrô e percebeu que o torturador dele estava no mesmo vagão. Ele olhou de frente pro cara com tanta firmeza e altivez que o torturador baixou os olhos e desceu na estação seguinte. Se você encontrar na rua quem te fez mal, faça como o Alípio.” Não sei se o texto era exatamente esse, mas esse com certeza era o Seu Alípio. Tempos de tristeza imensa mas tempos de luta também, não é, Seu Alípio?’’
CENA 6: Ainda deitado no sofá, abro vídeo e assisto de novo mais uma vez novamente o pastor picareta Malafaia pedir o dinheiro do aluguel de ‘fiéis’. Depois abro vídeo de uma linda loira sambando pelada. A seguir uma morena musculosa tatuada nua na piscina. Ambos os vídeos enviados por um amigo. Penso que vejo mais mulher pelada em uma única semana, que o meu pai durante a vida dele toda. Não que eu não goste.
CENA 7: Levanto e vou pra cozinha fazer o café.
CENA 8: Sento diante do computador pra escrever este pequeno roteiro.
CENA 9: O THE AND parece realmente próximo, esse governo golpista e a picaretagem religiosa realmente são ‘o fim’.
Renato Sigiliano é quase nada, mas gosta muito de beber cerveja com os amigos; é anti bolsonaro raiz, apesar de ter amigos e parentes bolsonaristas; ama o Brasil mais que demonstra o Mourão; e não acredita no deus do Malafaia.
29/04/2021 - Renato Sigiliano é jornalista.
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